Porto da Espada


O Topónimo Porto da Espada

Saber a origem dos nomes continua cada vez mais a fascinar e a ser motivo de estudos e comparações. A origem do nome da aldeia de Porto da Espada também não foi excepção. Segundo a lenda descrita por J.B. Moura no "Boletim da Misericórdia de Marvão":

" O seu nome diz a lenda, estar ligado à reconquista cristã da Península Ibérica.

S. Tiago aqui teria assentado os seus arraiais, no lugar chamado Porto, antes de enfrentar as hostes serracenas, que acampavam próximo e se apresentavam também para a luta.

No dia da peleja, S. Tiago, partindo do seu arraial ou porto ao encontro dos infiéis, teria desbaratado cem mil só com o fulgor da sua santidade. Ao puxar da espada; o que fez, quando a uns 500 metros do arraial, atingia por entre as hostes adversas o lugar onde hoje assenta o Porto da Espada, a batalha estaria virtualmente ganha. Então o povo comemorou esse milagre histórico, dando ao lugar onde assentou o arraial de S. Tiago o nome de Porto e ao lugar onde o Santo puxou da espada o nome de Porto da Espada, o que é o mesmo que dizer: - desde o Porto ou arraial ao puxar da espada - Porto da Espada - S. Tiago desbaratou cem mil mouros."

A População de Porto da Espada

Em 1952 o número de habitantes rondava os 800. Com uma população ligada predominantemente à agricultura, não faltava o comércio dos produtos agrícolas, nomeadamente a castanha, as nozes e o azeite.

As searas de trigo e centeio eram a subsistência da população, o trigo era moído nos diversos moinhos da Rasa ou Ponte Velha e cozia-se o pão para seu sustento.

A população da aldeia de Porto da Espada tem vindo a diminuir, sendo fortemente envelhecida, atingindo cerca de 280 habitantes, fazendo parte os seguintes lugares, a maioria actualmente despovoados, mas que anteriormente possuíam famílias numerosas: Fonte do Coelheiros, Queijeira, Muro, Caramenta, Monte Novo, Currais de Ferro, Fontainhas, Golas, Fonte Carvalho, Tapada de Forno, Fonte Santa, Faria, Alagoa e Povo.

A pouca população jovem procura empregos fora da aldeia e os idosos desfrutam o bem-estar proporcionado pelo Lar e Centro de Dia de Nossa Senhora das Dores, cuja primeira pedra foi benzida em Junho de 1990, tendo sido inaugurada a primeira fase em 15 de Julho de 1995 e a segunda fase em 30 de Maio de 1997 (sendo a cerimónia da bênção presidida pelo reverendo padre Alberto Reia).

Como forma de angariar fundos para esta instituição foram realizados três cortejos de oferendas ao Lar de Nossa Senhora das Dores.

Não faltavam os artesãos, nomeadamente carpinteiros, alfaiates, sapateiros, costureiras, albardeiros, ferreiros, salsicheiros que fabricavam os típicos enchidos.

A população continua a dedicar-se à agricultura e ao comércio de produtos, os variados artesãos anteriormente existentes já desapareceram, fica só a lembrança o que foi esta aldeia noutros tempos.

A Casa do Povo

Concedeu o Sub-Secretário de Estado das Cooperações e Providência Social, em 22 de Janeiro de 1942, o alvará à casa do Povo de Aramenha com sede em Porto da Espada, substituindo os estatutos aprovados em 26 de Junho de 1937.

A Casa do Povo servia os interesses das freguesias de S. Salvador de Aramenha e Santa Maria de Marvão, tendo associados em todos os locais da freguesia que eram calcorreados pelo Ti Manel Maria para cobrar as quotas.

A aldeia de Porto da Espada era sempre representada pela bandeira da Casa do Povo aquando de algum acontecimento na freguesia ou no concelho.

Com a extinção das Casas do Povo, este edifício foi entregue pela Segurança Social ao Lar de Nossa Senhora das Dores, sob a forma de comodato, e nela funciona a Sede da Associação de Caçadores e Pescadores de Porto da Espada, fundada em Junho de 1992, bem como a Associação de Parapente de S. Mamede, à qual lhe foi cedida uma pequena sala.

Igrejas

O culto religioso esteve e está bem presente nos Portoespadenses.

A primeira igreja tinha a soleira da porta rasa com um degrau que descia para a igreja. À frente tinha uma meia-lua em calçada, com pedras grandes, as ombreiras da porta rectangular e a soleira eram de cantaria, o chão era de sobrado, tinha um único altar, sendo o padroeiro S. Semião, ao qual, segundo consta, nunca foi feita festa em homenagem. Pela Quaresma o altar era tapado com cortinas roxas. Quanto à igreja e segundo as "Memórias Paroquiais de 1758" (J.L. Machado e Sérgio Gorjão - Ibn Maruan, nº 3): "...no dito monte se acha huma Ermida da qual he orago [São ] Simião, cuja Imagem está no meio de um único altar que há na dita Ermida e do lado do Evangelho a Imagem de Nossa Senhora da Orada e a do Senhor do Bom-fim, e ao lado da Epistola a de São Bento, tem a porta para Sul e junto a ella hum campanário com huma pequena campa, tem missa todos os dias de perceito...".

A igreja estava voltada de frente para a "Rua do Beco", a sacristia tinha uma gateira com um ferro a meio virada para a rua do "Sr. João Branco", tinha um suporte em pedra de sustento à parede.

Foi feita festa com missa e procissão à imagem de Nossa Senhora da Orada no último domingo de Agosto.

Em 1836, foi oferecido por José Pedro Botelheiro, uma imagem de Nossa Senhora das Dores, à qual o povo, por grande devoção, passou a fazer festa até aos nossos dias.

A imagem é de cerejeira, pintada de verde-esmeralda e dourados, com coroa em prata.

A segunda igreja foi construída pelo povo em 1933, no lugar do antigo cemitério.

Tinha uma escada de três degraus, com uma porta em oval. Ao lado direito tinha duas janelas estreitas e uma do esquerdo, todas com grades de ferro. Por cima da porta tinha uma janela redonda e por cima desta uma inscrição, onde se lia "Ave Maria". À direita a torre com o sino.

O telhado e o lugar do sino caíram, tendo sido reparados e colocada por cima da porta uma simples cruz de pedra sobre o telhado de duas abas.

Na rua que dava para o lagar, tinha três portas de acesso à sacristia e à casa dos andores. Da parte da frente e ao lado da porta principal uma pequena porta, onde a Comissão de Festas guardava os seus pertences e onde era guardado o esquife.

A igreja possuía um único altar-mor com três pequenas capelas cavadas na parede, sobressaindo as junções das mesmas.

Os altares eram ocupados no centro pela imagem de S. Semião, ladeado pelas imagens, no lado esquerdo, do Sagrado Coração de Jesus e S. Miguel e, ao lado direito, pela Nossa Senhora das Dores, Senhora do Rosário e Senhora de Lurdes. A Senhora da Orada encontrava-se na sacristia.

Por baixo da imagem de S. Semião e ladeado de castiçais havia um crucifixo em talha dourada.

A imagem de Nossa Senhora de Fátima, por não ter lugar no altar, estava sobre uma mesa, ao lado do altar.

A construção de uma nova igreja era uma obra que se impunha e diversos foram os eventos que se realizaram para angariar fundos para a sua construção: festas, bailes e teatros. Foi possível efectuar a recolha de alguns versos cantados num desses teatros:

Aqui vem o grupo todo aprumado

À boa assistência fica obrigado

Com boa vontade queremos que assim seja

Trabalhai com fé, trabalhai com fé para a nossa igreja.

Por aqui estamos com alegria a rodos

P'rá dizer a toda a gente

P'ra dizer a toda a gente

Porto da Espada é de nós todos.

A igreja foi-se degradando e desmoronando, tendo sido deitada abaixo e construída a igreja actual no dia da Santíssima Trindade em 1981; ainda hoje o missal antigo se encontra aberto nessa página e o sino tem a data inscrita.

A igreja de Porto da Espada ainda hoje é chamada de S. Semião, considerado por muitos como padroeiro esquecido, por nunca lhe ter sido feita qualquer festa ou manifestação religiosa.

A imagem que se encontra nesta igreja gerou alguma controvérsia quanto à sua representação. Assim e após consulta ao pároco da freguesia, Cónego Tarcísio, fica o seu esclarecimento: "É bastante curiosa a imagem que se encontra na Igreja de Porto da Espada, a que as pessoas chamam «S. Semião».

Trata-se de uma imagem em madeira, dum santo alto, com uma mitra e um báculo. A mitra começou por ser usada exclusivamente, pelos papas até ao século VII. A partir desta data, a mitra foi usada, por privilégio papal, pelos Bispos e Abades, até que, a partir do século XII, se tornou uma insígnia comum, própria dos Bispos e Abades.

Pela mitra concluímos que este santo seria Bispo ou Abade. Não era Papa, porque os Papas, em vez da mitra usam a Tiara (mitra com 3 anéis) e, na história da Igreja não houve nenhum Papa Semião.

Além da mitra da cabeça, este santo tem também um báculo na mão esquerda.

O báculo é uma fusão do cajado de pastor e a varinha do mestre-escola, e simboliza o poder de governar ou ensinar.

Como os Bispos têm geralmente o báculo na mão direita, podemos concluir que este santo seria um Abade e não um Bispo.

Simão e Semião são a mesma palavra. A partir destas considerações, talvez possamos seguir o seguinte raciocínio:

No início do século XII, nasceu em Inglaterra, São Simão Stock. Este homem veio a ser carmelita e fundou vários conventos: fundou o de Cambridge em 1249, o de Oxford em 1253, outro em Paris em 1259 e ainda outro em Bolonha, na Itália em 1260. Veio a falecer em Bordéus. Foi a São Simão Stock que Nª Senhora encarregou de instituir o escapulário de Nª Sra. do Carmo. Por isso, o seu culto e a imposição do escapulário de Nª Sra. do Carmo difundiram-se muito, sobretudo a partir do século XVI.

Ora, em 1578, o Papa Gregório XII elegeu para Bispo auxiliar de Évora, onde os carmelitas tinham um grande convento, o carmelita Frei Amador Arrais e, passados 3 anos, em 1581, este mesmo Bispo carmelita é nomeado Bispo da Diocese de Portalegre.

Na qualidade de Bispo e carmelita, é normal que tenha promovido, na sua Diocese, a devoção a Nª Sra. do Carmo, através do escapulário, e, por arrastamento, a devoção a São Simão (ou Semião) Stock, o grande arauto desta devoção.

De facto, a devoção a Nª Sra. do Carmo, ainda hoje se reconhece nesta zona: há uma imagem na igreja da Beirã e uma antiga capela em Castelo de Vide, dedicadas a Nª Sra. do Carmo.

Por tudo isto, sou de opinião que a imagem que se encontra na igreja do Porto da Espada se refere a S. Simão ou Semião Stock."

Assim, e pelo presente esclarecimento, tudo leva a crer que a imagem que se encontra na Igreja de Porto da Espada seja de S. Simão Stock, com dia de culto a 16 de Maio. Este terá vivido algum tempo dentro da fenda de um carvalho e é o fundador e protagonista da devoção do escapulário, pois a Virgem apareceu-lhe e deu-lhe o escapulário que livrava das chamas do inferno quem o trouxesse. Faleceu em 1265.

Ainda que faça parte do espólio desta igreja, na verdade, não lhe é prestado qualquer culto.

As Cavalhadas

As Cavalhadas, em Porto da Espada, eram feitas em honra de S. Tiago, no dia 25 de Julho.

Por volta do ano de 1889, a imagem de S. Tiago, esteve em Porto da Espada, a quem pertencia, tendo sido depois levada pelos habitantes de S. Salvador de Aramenha e ficado apenas a Bandeira de S. Tiago, mantendo-se ainda hoje a tradição de sair na procissão de Agosto.

Segundo contam: num ano de Cavalhadas os homens de Porto da Espada disputavam-nas com os de S. Salvador, no final, e estando todos bêbados e no meio de um rixa, deixaram que os de S. Salvador lhes roubassem a imagem de S. Tiago. O "Ti Jaquim da Faria, pegou na bandeira de S. Tiago e, montado no cavalo, fugiu com ela às costas.

As festas das Cavalhadas eram organizadas por festeiros, que guardavam a bandeira de um ano para o outro em suas casas. A entrega da bandeira ao próximo festeiro era feita pela janela.

Segundo o relato de Maria Tavares Transmontano:

" Em 1898, os homens deste lugar, para homenagearem a ausência do santo, foram em cortejo ao Salvador onde ouviram missa, levando à frente dos cavalos um homem a tocar tambor. (...)

Em 1904, acabou a festa das cavalhadas, vindo depois a ser feita de 1923 a 1925, ano em que terminou definitivamente."

No entanto, em 1978, por ocasião das festas em honra de Nossa Senhora das Dores, foram novamente incluídas no programa das festas, mas não foram realizadas.

Assim, no dia de S. Tiago havia missa em seu louvor, estando presente a sua bandeira, havia almoço-convívio entre os cavaleiros e, depois do desfile pelas ruas com os cavalos ornamentados com penachos, de crinas e rabos entrelaçadas com fitas, dirigiam-se para o "Tapadão", lugar onde decorria o torneio.

As Cavalhadas passaram a ser feitas na segunda-feira da festa de Agosto e a bandeira de S. Tiago acompanhava-as.

Um dos grandes vencedores das cavalhadas era o Sr. Joaquim Picado Lourenço, o "Ti Jaquim da Faria" ou o "Ti Cadete", que levava sempre para casa a fita da vitória (a única existente data de 2 de Setembro de 1924 e tem inscrito "Cavalhadas, Of. a Comissão" numa das pontas e na outra "Porto da Espada, 2-9-924").

Eram fixados dois paus a uma certa altura (altura superior à do cavaleiro montado no cavalo), tendo de uma ponta à outra uma corda grossa bem esticada com argolas pendentes.

O torneio iniciava-se a uns cinquenta metros de distância, os cavaleiros corriam com uma cana na mão direita com um laço de fita, simbolizando a espada de S. Tiago, e tentavam enfiar a cana na argola; se o conseguissem, ganhavam o prémio, uma galinha, um galo ou dinheiro.

" Se o vencedor fosse solteiro, ia como "oferecedor" do prémio à sua namorada, o companheiro que, com um lencinho branco na ponta da cana lhe dizia:

Aqui lhe trago este ramalhete,

Muito bem enramalhetado

Que lhe manda o seu amor,

Que é muito do seu agrado.

Mas além da noiva ou esposa do vencedor, também às restantes noivas ou mulheres, eram oferecidos pelos companheiros dos respectivos noivos ou maridos, lencinhos de assoar, (...) tendo no momento da entrega o mimo de um "verso, feito a gosto do ofertante, e dito pelo "oferecedor"."

Matança do Porco

O dia da matança era e continua a ser para quase todas as pessoas um dia importante e, por vezes, para o almoço desse dia, além de familiares, convidavam-se também outras pessoas consideradas de importância para os donos da casa. Para a matança é sempre necessária ajuda: aos homens cabe ir buscar o porco e segurá-lo para o matar; às mulheres cabe fazer a comida nesses dias, lavar as tripas e fazer todo o trabalho dos enchidos.

Tudo começa logo cedo e com grande azáfama. Logo pela manhã vai-se buscar o animal à pocilga, que nem sempre é junto das casas, principalmente no centro das aldeias. Trazido o porco para junto da casa, é agarrado por alguns homens e posto em cima da banca (mesa de madeira quase sempre feita exclusivamente para este efeito). Depois de bem seguro pelas patas, o "matador" (homem experiente nestas lides que faz este tipo de trabalho para diversas pessoas na terra) mata o animal, espetando a faca de matar (com corte dos dois lados) no sítio certo para que o porco pudesse sangrar bem. Esse sangue é aparado por uma mulher para um alguidar de barro, juntando-se-lhe uma mão cheia de sal e mexendo-se sempre até arrefecer para não coalhar e é o sangue usado para a feitura das morcelas.

De seguida o porco é chamuscado para que fique com a pele limpa, trabalho este que antes era feito com carqueija ou giesta e que, mais recentemente, é realizado com um maçarico a gás, que permite um trabalho mais rápido e eficaz. Depois de bem raspado com as raspadeiras (que antigamente, por vezes, eram também lâminas de gadanhas), é lavado com água abundante e raspado novamente com uma telha, para ficar bem limpo e está pronto a pendurar.

Carregado em mãos ou numa padiola, o porco é transportado para o local da casa onde vai decorrer o trabalho da matança e pendurado no chambaril de madeira ou de ferro, onde se prende o porco pelas patas de trás, de modo a que a cabeça fique para baixo e sem chegar ao chão. É então pesado para ver quantas arrobas tem o animal, contudo, nunca sem antes se ouvirem os diferentes palpites dos participantes.

Posteriormente é aberto de alto a baixo para se retirarem as tripas, que logo de seguida são separadas pelas mulheres para as irem lavar. Antigamente procurava-se um ribeiro para fazer este serviço, pois é necessária água abundante; actualmente recorre-se à bica de um tanque ou a uma torneira de boca larga. No Porto da Espada, a Fonte do Álamo ainda continua a ser um dos locais escolhidos para o efeito.

Da ementa do almoço da matança constam as sopas de cachola ou sarrabulho, a canja de galinha, a galinha tostada, as assaduras e o arroz doce. Já o almoço ou o jantar do segundo dia é sempre couves de ossos, paparratos e provam-se as cacholeiras cozidas e as morcelas. Para as "couves de ossos", salgam-se os ossos da soã, o rabo do porco e toucinho, que se cozem. Depois escoa-se a água e cozem-se as "couves porqueiras" com batatas (que são esmagadas com o garfo).